quarta-feira, 10 de junho de 2009

Revista da Academia Mineira de Letras

Revista da Academia Mineira de Letras









REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS - 100 anos



Ano 86° - VOLUME LI - janeiro, fevereiro, março . 2009

HISTÓRIA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS


Fundada na cidade de Juiz de Fora, em 25/12/1909, por um grupo de pioneiros ligados à literatura e a cultura, onde pontificavam jornalistas, escritores, profissionais liberais, homens públicos e conceituados militantes da cátedra e dos tribunais.Juiz de Fora, à época denominada Manchester Mineira, respirava um ar de progresso e de vanguarda na indústria e na inovação tecnológica, convivendo com fervilhante atividade literária, em que se misturavam empreendedores pioneiros, poetas e contistas de formação diversa, com a presença na cidade de tradicionais educandários e austeros educadores. A imprensa rivalizava com a do Rio de Janeiro e articulistas de renome nacional assinavam artigos e colunas nos diários e periódicos de Juiz de Fora. A primeira indústria têxtil de Minas Gerais e a primeira hidrelétrica do País se instalaram na progressista cidade. O grupo fundador da Academia Mineira Letras, de imediato incorporando o adjetivo mineiro, ao invés da denominação municipalista, dava a dimensão ambiciosa e ao mesmo tempo magnânima dos seus altos objetivos: o culto, a defesa e a sustentação da pureza da língua e a produção intelectual na sua plenitude e variedade.Inicialmente, os doze idealizadores capitaneados por Machado Sobrinho e integrados por intelectuais do naipe de Belmiro Braga, Dilermando Cruz, Amanajós de Araújo e outros expoentes das letras, elegeram mais dezoito intelectuais espalhados por todo o Estado e representativos do que de melhor existia entre a elite acadêmica de Minas Gerais.Dentre os dezoito, destacavam-se Nelson de Senna, Alphonsus de Guimaraens e Carlos Goes, além de outras influentes personalidades.
Em 1915, acordaram os membros da Academia Mineira de Letras a transferência da sede da Academia para a Capital do Estado, em gesto de despreendimento e de visão, descortinando maior dimensão e "status" à mesma, próxima dos centros do Poder e de convergência de atividades e interesses de toda natureza.Em 1943, com o apoio do então Prefeito de Belo Horizonte, Otacílio Negrão de Lima, viria a Academia receber sua sede própria, instalada no sexto andar do edifício sito à rua dos Carijós, aonde permaneceria até 1987, quando Vivaldi Moreira, após 12 anos de determinada articulação junto aos poderes públicos, conseguiria o comodato do palacete Borges da Costa, atual sede da Academia e cogominado Casa de Alphonsus de Guimaraens, com o apoio de sucessivos homens públicos como os Presidentes José Sarney e Itamar Franco, e os Governadores Hélio Garcia e Newton Cardoso, cada qual emprestando parcela de apoio visando a doação do imóvel e a restauração do Palacete e construindo-se em seguida o Auditório ao lado, conforme notável projeto do arquiteto Gustavo Penna.O contraste do clássico - verdadeiro relicário - e o moderno arrojado e funcional - Palacete e Auditório - deu à Academia o realce e a beleza externa que o seu rico conteúdo interno - homens e livros - abriga doravante.A casa passou a ser integrada por 40 membros a exemplo da Academia Brasileira e a Francesa, eleitos por um colégio eleitoral inter paris em processo aberto a todo cidadão brasileiro, com qualificações para postular o acesso ao sodalício.
Assim caminha a Academia, no suceder das gerações e na voragem dos tempos, cumprindo o lema que acalenta sua existência: Scribendi Nullus Fines e alçando seus Confrades e suas obrasà glória que fica, eleva, honra e consola, nos magistrais dizeres de Machado de Assis.


Fonte: site da Academia Mineira de Letras:
http://www.academiamineiradeletras.org.br/



Artigo publicado na Revista da ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS:

A LITERATURA E A ARTE ALDRAVISTA - Movimento Mineiro do século XXI

Andréia Donadon Leal

Os homens pré-históricos, numa manifestação artística intuitiva, começaram a expressar suas primeiras idéias e criações nas famosas pinturas rupestres. Percebe-se desde então a ligação genuína entre arte e poética num desejo que culminou, e culmina até hoje na forma de expressão artística, pictórica, oral ou lingüística. Com esse ato criaram a noção de uma linguagem que, ultrapassava os então meios de comunicação. Dessa proposição surge à idéia que é sempre possível inovar com a arte de utilizar a palavra para produzir idéias, beleza e renovação do pensamento ou com o discurso artístico de conceber produtos de uma elaboração estética resultante da criatividade em objeto único.
Nessa trilha de expressão de criatividade e de produção de idéias, de ideais e de liberdade, com o desejo de romper os limites da significação e do sentido, iniciou-se o Movimento Literário e Artístico na cidade mineira de Mariana em novembro de 2000, com lançamento do Jornal Aldrava Cultural e o livro Aldravismo – a literatura do sujeito, em um momento em que se verificou o amadurecimento de panfletos literários, como o PoeZine (1995) e Quatro + ou – poetas (1996) e do Jornal Cimalha (1997), todos representantes da imaginação criadora dos poetas aldravistas da cidade mineira. A literatura inconfidente, um dos primeiros movimentos na direção da afirmação da pátria brasileira com insígnia “libertas quase será tamen”, deixada como herança pululante na história da literatura brasileira do século XVIII serve de mola propulsora para o investimento aldravista. Uma das primeiras providências do movimento aldravista foi a de buscar como critério de escolha para publicação textos e obras de arte que rompessem com barreiras formais de produção, especialmente os que ousassem criar conceitos novos, partindo do pressuposto de que a arte deve ser antes de tudo, expressão de liberdade; textos gerados para um tipo de sensibilidade dispersa no ritmo acelerado do cotidiano, da geração web, com linguagem visual urbana e de experimentação. Dessa assertiva abriu caminho para a percepção de que a produção artística e ou literária não é via de mão única e nem imposição do sujeito autor.
Em sua concepção dicionarizada, Aldravismo vem de aldrava, termo que designa o utensílio com o qual se bate nas portas para que estas sejam abertas. Trata-se de uma forma de criação e de divulgação de cultura (literatura e artes visuais) em que o foco principal é o sujeito. O estilo trabalha com a conceituação da arte metonímica em que o sujeito [autor e leitor] é livre e heterogêneo para perceber porções daquilo que é possível, ou seja, o artista não compõe sua obra sozinho, determinando a sua interpretação; sabe que o leitor é livre para buscar sentidos.
Antigamente percebíamos que o artista era o personagem que, através do "ícone sublime", fazia aparecer à divindade no público considerado incapaz de co-participar da beleza dos deuses, própria aos divinos artistas. O Aldravismo trata de uma demissão do papel divino do fazedor de arte, para que caiba aos outros o papel de criadores autônomos, ou seja, da possibilidade de toda a gente participar neste duplo jogo de produzir e usufruir da arte, transpondo este passo que separa o artista do não artista. O artista transforma-se em proponente de algo a ser interpretado para ser completado pelo espectador artista.
“...surge a idéia mestra do Aldravismo: a de que é sempre possível inovar ( e não há outra maneira para fazê-lo de maneira satisfatória), senão partindo do óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues. Esse eterno recomeçar, signo nietzscheano do “fracasso” humano, cobre de glória a iniciativa do Aldravismo...Trata-se de uma manifestação poética de valor cultural inegável que intriga pela simplicidade e se destaca pela crueza com que desenha o perfil regional de Minas Gerais, de uma maneira, até, original”. (Souza Júnior,2002)
“O dicionário Aurélio ensina: aldrava: argola de metal com que se bate às portas chamando atenção de quem está dentro. Pois vem daí um certo movimento aldravista que, desde 2000, na histórica Mariana, vem convocando pessoas à arte. É isso que quer o Portal Arqueológico, da artista Déia Leal: dar toques, insinuar, convidar a experimentações, perspectivas, cores, reflexões e buscas. É o espectador como cúmplice, parceiro e coadjuvante da criação.” (Mirtes Helena, 2007)

O aldravismo constitui; portanto, algo de mão dupla: de um lado o autor da obra de arte e de outro o autor da leitura dessa obra. O trabalho do artista passa a exigir também do espectador uma determinada atenção, um olhar que pensa. O leitor se apropria de todas as prerrogativas de construtor de sentido e/ou observador reflexivo, que reage às obras, que sente, pensa e imagina com seus temas, elementos, enunciados. Nesse caminho, o Aldravismo também não tem o objetivo de mostrar totalidades, aliás, rejeita-as para apresentar ao leitor indícios, metonímias, ou seja, nem o produtor de arte a oferece como “coisa completa”, nem o leitor a recebe como algo que tem sentido prévio indicado pelo artista. Ambos continuam livres para construir sentido a partir do ponto que julgar pertinente no tempo e no lugar em que se expõem diante da obra de arte. Não se prende a uma forma, molda-se a forma que melhor seja expressão de um indício de um conteúdo.
“...a conceituação do aldravismo como a de arte metonímica – autor e leitor percebem porções daquilo que é possível. O sujeito da produção da arte metonímica é criativo quanto mais inova no quesito: o que é que somente eu vi. O leitor metonímico é aquele que busca algo que só ele viu. A liberdade e a metonímia tornam-se os pilares da arte aldravista.” (Donadon-Leal, 2002)

Como aldravistas, batendo às portas dos discursos, estão alguns nomes que figuraram na poesia em Mariana como Leopoldo Comitti, com seus aldrávicos poemas em Fundo Falso e Por mares navegados; Lázaro F. Silva, com seus poemas avulsos e a sua produtiva tematização da cultura popular, L. T. Pirolla, Geraldo Reis, Hebe Rôla e ainda figuram batendo as portas dos discursos literários e artísticos, permanecendo envolvidos e atuantes no movimento, como J.B. Donadon-Leal, Andréia Donadon Leal, Gabriel Bicalho e J. S. Ferreira. Assim o aldravismo pode ser caracterizado pela arte que chama atenção, que insiste, que bate, bate e bate até que alguém venha abrir as portas para novas interpretações. O discurso faz, desfaz e refaz; alimenta, realimenta e se alimenta de discursos, numa forma de antropofagia que cuida de cevar a espécie, para se fartar dela.
Assim é possível dar uma mostra de poetas e poemas aldravistas.
Gabriel Bicalho, um dos fundadores e idealizadores do Aldravismo, apresenta uma característica peculiar e metonímica em seu livro de poesias Caravelas [redescobrimentos]. As palavras se abrigam numa exploração sonora pungente, trazendo a possibilidade de se arriscar a velejar muito além da pós-modernidade. Ele traça a idéia metonímica, chamando o leitor a navegar em sua caravela aquela que ainda hoje traz a possibilidade dos redescobrimentos, num continente onde se ancoram poesias.

marinha V
era brisa
marinha
levando
minha
poesia
pois ia
ia
(BICALHO, Gabriel, 2006)


A obra do poeta J.S. Ferreira revela-se em temas marianenses como metonímias da cidade mineira, a luz do texto fotográfico e em seus narrapoemas, pequeno na forma, como o badalo do sino ou no meio da rua com sua pena garimpando a poesia na simplicidade lírica das palavras.

Rua Direita
Rua Direta
de casas tortas:
na sacada
de pedra-sabão
a musa
perfeita
e um poeta
apaixonado
à porta.

Aleijadinho
Deformadas:
as mãos.
Perfeitas:
as obras!
(FERREIRA, J.S., 1996)
A cena lingüística aparece soberba e feminina na obra da poeta e artista plástica Andréia Donadon Leal, em seus roteiros visuais para uma abordagem metonímica do mundo numa paixão encarnada em versos que desrespeitam deliciosamente a pontuação, criando um ritmo quase dissoluto de individualidade epifânica.
Insônia
Sono perdido,
banheiro fedido à guimba
perfumado com fragrância de mijo.

Poeta de papel
à noite
abandono carne e osso
e
visto no corpo
um barquinho de papel.
(LEAL, Andréia Donadon, 2007)
J.B.Donadon-Leal, criador da sustentação metonímica da literatura e arte aldravista, com sua idéia de equilíbrio entre as percepções do escritor e do leitor. Sua poesia tende a apresentar pequenas coisas que fazem parte do cotidiano, mas que não são mais percebidas pelo olhar automatizado, descuidado dos olhares seduzidos pelas totalidades.

Descuido
Sempre tive a mania
de recolher
se os encontro jogados por aí
parafusos
pregos
porcas
arruelas
pequenos objetos que
de vez em quando
a gente os procura
desesperado.
Nunca, porém, tive o cuidado
de recolher
se os encontro
descuidado
olhares
afagos
palavrinhas
pequenos carinhos que
a gente necessita
desesperado.
(DONADON-LEAl, J.B., 1997)

As manifestações literárias e artísticas desses poetas aldrávicos – ditos como invasores de terras devolutas, são extraídas de um olhar metonímico e por isso devem estar livres para interpretação com a idéia da arte sem começo ou fim, partindo do pressuposto de que a arte deve ser, antes de tudo, expressão de liberdade, ou como diz o poeta Donadon-Leal (2002): “abraçar, sem pudores, os discursos de todas as tendências, acreditando pio o demônio que aquece e perverso o deus que inventou o inferno”.

Referências Bibliográficas:
SOUZA JÚNIOR, J.L.F. de “prefácio” In: DONADON- LEAL- J.B - Aldravismo - a literatura do sujeito. Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2002.
MIRTES, Helena – Hoje em Dia – BH, domingo - capa, 7/01/2007.
DONADON- LEAL- J.B- Aldravismo - a literatura do sujeito. Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2002.
BICALHO, Gabriel. Caravela (redescobrimentos) Brasília – Ministério da Educação, 2006 – Prêmio Literatura para Todos – MEC.
FERREIRA, J.S. Bateia Lírica (temas marianenses) – 1996.
LEAL, Andréia Donadon - Cenário Noturno. Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2007.
DONADON-LEAl, J.B. Gênese da Poesia e da Vida, 1997, Editora Livro Aberto- 1° Festival de Literatura universitário – Xérox e Revista Livro Aberto

Formada em Letras pela UFOP e Pós-graduada em Artes Visuais: Cultura & Criação. deiadonadon@yahoo.com.br









Um comentário:

  1. Essa é a consagração do Aldravismo!!!!
    Parabéns ao Movimento Literário e Artístico do século XXI

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